O ‘paper’ sobre economia que está
chocando quem o lê
É bem pior do que você imagina
Por Geraldo Samor
Um artigo de nove páginas escrito por três economistas com
trânsito junto à academia, empresários e políticos está causando choque e
depressão em quem o lê.
Em “O ajuste inevitável,” Mansueto Almeida Jr., Marcos
Lisboa e Samuel Pessôa tentam quantificar, pela primeira vez, o aumento do
gasto público já contratado para os próximos 15 anos.
Até 2030 -ou seja, antes que um brasileiro nascendo este
ano possa votar- o gasto anual do Estado brasileiro terá subido 300 bilhões de reais,
uma aumento de 20 bilhões de reais por ano.
Para neutralizar este aumento de despesas, será preciso
criar um imposto equivalente a uma nova CPMF a cada mandato presidencial de
quatro anos (entre este ano e 2030). Para ficar claro: não se trata de renovar
a CPMF a cada quatro anos, e sim de cobrar uma nova CPMF em cima da anterior,
sucessivamente, a cada novo governo.
Este aumento de 300 bilhões é a soma apenas dos aumentos
nos gastos com previdência, educação e saúde já contratados por conta da legislação
vigente.
Mas antes disso, há o desafio atual: para estabilizar o
tamanho da dívida pública como percentual do PIB, o Brasil tem que transformar
o rombo de 32 bilhões de reais no ano passado em um superávit de 3% do PIB
(quase 170 bilhões de reais). Isto significa que a sociedade terá que achar 200
bilhões de reais por ano para passar do ‘vermelho augustín’ para o ‘azul levy’.
E, até 2030, achar aqueles outros 300 bilhões por ano.
Em outras palavras, se a cultura de ’taxar e gastar’ não for
mudada, daqui a 15 anos o Estado brasileiro estará demandando da sociedade 500
bilhões de reais a mais -por ano- ara honrar com suas obrigações.
O ‘paper’ de Almeida, Lisboa e Pessôa destrói a análise
superficial que diz que o problema fiscal brasileiro é apenas uma questão de
ajustar a rota depois de alguns anos de gastos exorbitantes.
Se o desafio conjuntural chega a ser paralisante, o
problema estrutural das contas públicas é mortal.
Os economistas mostram que, desde 1991, a despesa pública
cresce a uma taxa maior do que a renda do País, em parte porque o Estado está
sempre distribuindo novos benefícios a grupos organizados.
Para bancar estes gastos, o Executivo e o Congresso se
uniram e aumentaram a chamada carga tributária (o conjunto dos impostos pagos
pelos eleitores) de 25% do PIB em 1991 para cerca de 35% do PIB no ano passado.
É para isso que você trabalha um terço do ano: para financiar os gastos com
programas sociais, inclusive a Previdência, e para manter a União, Estados e
municípios funcionando.
Marcos LisboaE, como há os tais aumentos de gasto
encomendados; a única forma de financiá-los será aumentar ainda mais os
impostos.
Além da rigidez do gasto público — que só pode ser alterada
com vontade política e emendas constitucionais — o problema fiscal brasileiro
vai se agravar também por conta do fim do chamado bônus demográfico, o período
em que o país tinha tantos jovens na força de trabalho que eles conseguiam
pagar pela previdência dos mais velhos. Como a taxa de natalidade caiu, o
Brasil envelheceu, e um ‘velho’ custa duas vezes o que o Estado paga para
manter a população na escola. (A conta é feita comparando-se os gastos da
previdência com os gastos em educação pública.)
Ao contrário do que pode parecer, esta não é uma conta que
dê para pagar com uma grande privatização. Pausa para checar o dicionário.
[Privatização: s.f. Tentativa de levantar caixa ou melhorar
o desempenho da economia, mas que produz, no imaginário político de países
atrasados, ‘entreguistas’ de um lado, ‘verdadeiros patriotas’ do outro, e
‘iludidos’ no meio.]
O Brasil tem hoje um problema de fluxo, além do estoque de
dívida — da mesma forma que alguém que gaste mensalmente 1,5 vez o seu salário
pode até vender a casa e abater a dívida, mas continuará para sempre fadado ao
cheque especial.
De onde vem tanta gastança?
“O Brasil tem uma tradição de concessão desenfreada de
benefícios, de forma descentralizada, e sem analisar o conjunto da obra e o
impacto que isto tem na sociedade,” diz Lisboa, já conhecido no debate público por alertar sobre o problema da
‘meia entrada’, os benefícios que grupos de interesse conseguem do Estado e
que são bancados por toda a sociedade. “Se isto não for resolvido de alguma
forma, o Brasil pode enfrentar um problema como o da Grécia na próxima década.”
Samuel Pessoa z copiaEm tese, haveria uma saída para o
Brasil conseguir financiar o aumento do gasto público já contratado até 2030
sem mexer no ‘pacote de bondades’ que o Estado oferece e sem aumentar impostos.
Mas neste cenário, a economia teria que crescer 5% ao ano daqui até lá para
turbinar a arrecadação e, mesmo assim, algumas despesas vinculadas ao PIB
teriam que ser alteradas. Obviamente, as chances disto acontecer são remotas,
dada a ausência de reformas na estrutura do Estado.
Essas reformas teriam que atacar benefícios concedidos por
Brasilia que não custam dinheiro diretamente — ou seja, não tem impacto fiscal
—, mas que reduzem a concorrência e sufocam a produtividade da economia, desde
regras de conteúdo nacional a barreiras não-tarifárias que criam reservas de
mercado, incluindo os inúmeros benefícios tributários dados a setores
‘estratégicos’.
Como é que o Brasil ainda não havia se dado conta de que o
buraco fiscal era tão mais embaixo?
“Um ponto essencial do nosso argumento é o entorpecimento
que a arrecadação excepcional entre 2000 e 2010 produziu na sociedade e nos
analistas,” diz Pessôa. “Nós ‘congelamos’ um setor público que somente se
sustenta se a arrecadação crescer acima do PIB para sempre.”
E como no Brasil os gastos públicos são fixados como um
percentual do PIB, nem uma inflação mais alta resolve o problema. Além do que,
“a inflação só não é pior que uma guerra civil como forma de gestão do conflito
distributivo,” diz Pessôa.
Talvez a maior contribuição do artigo -cuja íntegra está aqui- seja mostrar que serão necessárias
coragem e visão de Estado para o País fazer o que tem que ser feito.
Para além de todo o barulho de curto prazo sobre o destino
deste ou daquele político, as pessoas responsáveis — nos partidos, nas empresas
e na sociedade — deveriam usar este diagnóstico como o ponto de partida de uma
conversa séria e urgente.
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