Por Marco Antonio Villa*
Seu protagonismo impede uma solução para a crise. Ele aposta no
impasse como único meio de sobrevivência política
Lula voltou a ser o principal protagonista da cena política
brasileira. No último mês, não teve um dia sequer em que não ocupasse as
manchetes da imprensa. Viajou pelo Brasil — sempre de jatinho particular, pago
não se sabe por quem — e falou, falou e falou. Impôs uma reforma ministerial à
presidente, que obedeceu passivamente, como de hábito, ao seu criador. Colocou
no centro do poder um homem seu, Jaques Wagner, para controlar a presidente,
reestruturar o pacto lulista — essencialmente antirrepublicano — com o
Congresso e o grande capital e, principalmente, para ser um escudo contra as
graves acusações que pesam sobre ele, sua família e amigos.
Como de hábito, não teve nenhum compromisso com a verdade.
Vociferou contra as investigações. Atacou a Polícia Federal, como se uma
instituição de Estado não pudesse investigá-lo. Ou seja, ele estaria acima das
leis, um cidadão — sempre — acima de qualquer suspeita, intocável. Apontou sua
ira contra o ministro da Justiça e tentou retirá-lo do cargo — e vai conseguir,
cedo ou tarde, pois sabe quão importante foi Márcio Thomaz Bastos em 2005,
quando transformou o ministro em seu advogado de defesa.
O ex-presidente, em exercício informal e eventual da Presidência,
declarou que o Brasil vive quase um Estado de exceção, simplesmente porque a
imprensa divulgou documentos sobre seus ganhos milionários nas palestras e
apresentou como dois filhos vivem em apartamentos em áreas nobres de São Paulo
sem pagar aluguel — uma espécie de Minha Casa Minha Vida platinum, reservado
exclusivamente à família Lula da Silva — e teriam recebido quantias vultuosas
sem a devida comprovação do serviço prestado. Não deve ser esquecido que o Coaf
justificou a investigação da sua movimentação financeira como "incompatível
com o patrimônio, a atividade econômica e a capacidade financeira do
cliente."
Lula passou ao ataque. Falou em maré conservadora, que não admite
ser chamado de corrupto e que — sinal dos tempos — não teme ser preso. A
presidente da República, demonstrando subserviência, se deslocou em um dia útil
de trabalho, de Brasília para São Paulo, simplesmente para participar da festa
de aniversário do seu criador. Coisa típica de República bananeira. Ninguém
perguntou sobre os gastos de viagem de uma atividade privada paga com dinheiro
público. O país recebeu a notícia naturalmente. E alguns ingênuos ainda
imaginam que a criatura possa romper com o criador, repetindo a ladainha de
2011.
Mesmo após as aterradoras revelações do petrolão, Lula finge que
não tem qualquer relação com o escândalo e posa de perseguido, de injustiçado.
Como se não fosse ele o presidente da República no momento da construção e
operação do maior desvio de recursos públicos da história do mundo. Nas
andanças pelo país, para evitar perguntas constrangedoras, escolhe auditórios
amestrados. Mente, mente, sem nenhum pudor. Chegou a confessar cometeu
estelionato eleitoral, em 2014, como se fosse algo banal.
O protagonismo de Lula impede uma solução para a crise. Ele aposta
no impasse como único meio de sobrevivência, da sua sobrevivência política.
Pouco importa que o Brasil viva o pior momento econômico dos últimos 25 anos e
que a recessão vá se estender, no mínimo, até o ano que vem. Pouco importam os
milhões de desempregados, a disparada da inflação, o desgoverno das contas
públicas.
Em 1980, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo não pensou duas vezes em prorrogar a greve, mesmo levando-a à
derrota — e aos milhares de operários que tiveram os dias parados descontados
nos salários —, simplesmente para reabilitar sua imagem frente à base sindical,
isto porque, no ano anterior fechou acordo com a Fiesp sem que o mesmo fosse
aprovado pela assembleia, daí que passou a ser chamado pelos operários de
pelego e traidor.
Em setembro, Dilma chegou a balançar quando o PMDB insinuou que
poderia apoiar o impeachment. Lula entrou em campo e, se não virou o jogo,
conseguiu ao menos equilibrar a partida — isto na esfera da política, não da
gestão econômica. Tanto que a possibilidade de a Câmara dos Deputados aprovar,
neste ano, a abertura de um processo de impeachment é nula. Por outro lado, o
Congresso Nacional não aprovou as medidas que o governo considera como
essenciais para o ajuste fiscal. É um jogo cruel e que vai continuar até o agravamento
da crise econômica a um ponto que as ruas voltarem a ser ocupadas pelos
manifestantes.
As vitórias de Lula são pontuais, superficiais e com prazo de
validade. As pesquisas mostram que ele, hoje, é uma liderança decadente e com
alto grau de rejeição, assim como o PT. Mantém uma influência no centro de
poder que é absolutamente desproporcional ao seu real peso político. Tem medo
das consequências advindas das operações Lava-Jato e Zelotes. Mas no seu
delírio quer arrastar o país à pior crise da história republicana. E está
conseguindo. Tudo porque sabe que o impeachment de Dilma é o dobre de finados
dele e do PT.
As ações de Lula desmoralizam o Estado Democrático de Direito. Ele
despreza a democracia. Sempre desprezou. Entende o Estado como instrumento da
sua vontade pessoal. Mas, para sorte do Brasil, caminha para o ocaso. Só não
foi completamente derrotado porque ainda mantém apoio de boa parte da elite
empresarial, que, por sua vez, exerce forte influência no Congresso e nas
cortes superiores de Brasília. O grande capital não sabe o que virá depois do
PT. Na dúvida, prefere manter apoio ao "seu" partido e ao
"seu" homem de confiança, Lula.
* Marco Antonio Villa é historiador
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