"Dilma deve abandonar o discurso da luta de classes,
distanciando-se dos "progressistas" da Venezuela e de Cuba, que
pretendem tornar todos os ricos, pobres. Que siga o exemplo dos
"liberais" dos Estados Unidos e da Alemanha, que querem tornar todos
os pobres, ricos."
Ives Gandra da Silva Martins - O Estado de S.Paulo, em 26 Nov 2014
As palavras "ética" e "moral" têm sua origem na
Grécia e em Roma. Tornaram-se sinônimas de "bons costumes". Na
realidade, ética (ethos), de etimologia grega, e moral (mos, moris), de
etimologia romana, têm, todavia, conteúdo distinto pela própria conformação dos
vocábulos. Nas nações onde surgiram, os gregos, mais especulativos que práticos
- nunca conseguiram conformar um império, nem mesmo com Alexandre -, colocavam
a ética no plano ideal, como se pode ler na Ética a Nicômano, de Aristóteles. Os
romanos, que graças à herança cultural grega, acrescida da instrumentalização
do Direito, influenciaram a História do mundo com presença durante 2.100 anos
(753 a.C. a 1.453 d.C.), quando da queda de Constantinopla, deram à palavra
"moral" um sentido pragmático de aplicação real à vida cotidiana.
Pessoalmente, entendo que essa diferença de origem permite deduzir
que "ética" e "moral" se completam - não aceito as diversas
distinções que se fazem sobre a subordinação de um conceito ao outro -, sendo a
"ética" a face da moral no plano ideal e a "moral" a face
da ética no plano prático.
De qualquer forma, tanto durante o domínio de gregos quanto dos
romanos, a ética e a moral eram símbolos dos bons costumes a serem preservados
pelos governos. Infelizmente, já há longo tempo as noções de bons costumes, de
ética e de moral deixaram de ser símbolos do governo brasileiro.
O episódio do mensalão apenas descerrou a cortina do que ocorria
nos porões da administração federal, agora com a multiplicação de escândalos envolvendo
diretamente os partidos do governo e de apoio, a principal estatal brasileira e
inúmeras empresas, que, provavelmente, seriam mais bem enquadradas na figura
penal da "concussão" (pagar à autoridade por falta de alternativa
possível de atuar sem pagamento) do que na de "corrupção ativa"
(corromper a autoridade para obter vantagem).
A própria propaganda oficial, para obter uma votação que deu à
presidente apenas 38% dos votos dos eleitores inscritos - financiada pelos
partidos mencionados nos desvios de dinheiro público e privado -, foi, segundo
seus próprios articuladores afirmaram, lastreada na "desconstrução de
imagens" e "ocultação da verdade", com o que, por ínfima margem,
conseguiram a vitória a 28 minutos do encerramento da contagem oficial, quando
a presidente ultrapassou o candidato da oposição, com quase 90% de votos
apurados.
O marqueteiro, que se especializou em enganar o eleitor dizendo que
a economia andava muito bem, sem dizer a verdade sobre o aumento do desemprego,
a queda constante do PIB, o crescimento da inflação, as maquiagens do superávit
primário, o déficit da balança comercial, a elevação dos juros - que ocorreu
três dias depois do resultado -, o fracasso da contenção do desmatamento, além
de outros inúmeros apelos populistas, conseguiu desconstruir
"imagens" de cidadãos de bons costumes (Marina Silva e Aécio Neves) e
iludir o povo que, por escassa margem de votos, outorgou à presidente mais um
mandato.
Nesse mercado de ilusões, chegou a presidente a dizer que ela
estava apurando as irregularidades ocorridas na Petrobrás, quando, na verdade,
duas instituições, que não prestam vênia ao poder, é que o estavam fazendo, com
competência e eficácia, à revelia da chefe do Executivo: a Polícia Federal e o
Ministério Público. Se realmente pretendesse a apuração, não teriam seus
partidos de sustentação torpedeado a CPI da Petrobrás.
Comentei - não me lembro para que jornalista - que a presidente
deveria nomear seu marqueteiro para o Ministério da Fazenda, pois se iludiu o
eleitorado sobre o PIB, emprego, desmatamento, moralidade, etc., deve saber
iludir também os investidores, mostrando-lhes que a economia brasileira vai
muito bem.
O certo, todavia, é que nunca na História brasileira houve tanta
exposição de maus costumes governamentais como nos governos destes últimos 12
anos.
Se um empresário sofresse assaltos em sua empresa durante oito
anos, em R$ 10 bilhões, e não percebesse nada, ou seria fantasticamente
incompetente ou decididamente conivente. Quando presidi a Academia Paulista de
Letras, meu saudoso confrade Crodowaldo Pavan perguntou-me se sabia quanto dura
1 bilhão de segundos. Disse-lhe que não sabia. Contou-me, então, que 1 bilhão
de segundos correspondem a 31 anos e meio! Nós não temos dimensão do que seja
R$ 1 bilhão. E já foram detectados desvios de, pelo menos, R$ 10 bilhões!!!
Compreende-se a razão por que o governo, acuado por tais
escândalos, procurou editar o Decreto n.º 8.243/14 - felizmente derrubado na
Câmara dos Deputados -, mediante o qual, no estilo das semiditaduras da
Venezuela, da Bolívia e do Equador, prescindiria do Congresso Nacional para
governar.
A tristeza que sentem todos os brasileiros que lutam por bons
costumes na política, na profissão, em sua vida social e familiar, por verem o
País assim desfigurado perante o mundo, não deve, todavia, inibir o povo de
lutar contra a corrupção, o que se principia por diagnosticar o mal e
combatê-lo, mesmo que isso implique o profundo desconforto de dizer que a
presidente Dilma Rousseff governou atolada na pequenez pouco saudável de um
governo era incompetente, ora corrupto.
Como terá mais quatro anos para governar, que faça seu "mea
culpa" perante a Nação e recomece a caminhada, sabendo escolher pessoas
competentes, honestas, dignas e que estejam dispostas a fazer que seu governo
passe à História bem avaliado, depois do desastre do primeiro mandato. Para
isso deve abandonar o discurso da luta de classes, distanciando-se dos
"progressistas" da Venezuela e de Cuba, que pretendem tornar todos os
ricos, pobres. Que siga o exemplo dos "liberais" dos Estados Unidos e
da Alemanha, que querem tornar todos os pobres, ricos.
*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito da Universidade
Mackenzie, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Superior
de Guerra (ESG) e membro da Academia Brasileira de Filosofia
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