Quando aprenderão?
“Quem quer que, a esta altura, ainda
sonhe em ‘vencer o PT’,
seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras,
deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção”
seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras,
deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção”
Por Olavo de Carvalho, publicado no
Diário do Comércio
Fonte: Mídia sem máscara
O Brasil do futuro que se vislumbrava nos debates públicos
dos anos 90 era exatamente o que temos hoje: um vácuo sangrento, um Nada
crescente e invencível que tudo devora.
Excetuadas algumas frustrações e desencantos banais que não
vêm ao caso, só guardo uma única tristeza na alma: a de não sido ouvido numa
época em que ainda havia tempo de bloquear a ascensão comunopetista e impedir
que o Brasil mergulhasse no lodaçal em que vai afundando hoje em dia.
Não vai nisso o menor ressentimento pessoal. A indiferença
à mensagem quase nunca implicou hostilidade ou desprezo ao mensageiro. Sempre
fui muito bem recebido em toda parte. As pessoas me ouviam, aplaudiam e, com
ares de amável ceticismo, prometiam pensar no assunto.
Ficaram pensando até agora. Nada fizeram.
Semana após semana os acontecimentos foram se avolumando
exatamente como eu havia previsto, e ainda assim até os melhores entre os meus
ouvintes continuaram acreditando que tudo passaria com o tempo, que nada de mau
sucederia que não viesse a ser corrigido automaticamente pela mágica do mero
rodízio eleitoral.
Isso era impossível, protestava eu. Onze anos atrás
escrevi:
“Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em ‘vencer o
PT’, seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser
considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção”.
“O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no
poder com outros partidos -muito menos com os da ‘direita’- segundo o rodízio
normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse
sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo
que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do
qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável.
“Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o ‘novo
Brasil’ prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a
médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por
mudanças imprevisíveis do quadro internacional.”
Continuava:
“É deplorável ter de insistir numa coisa tão evidente, mas
uma estratégia de escala continental, escorada numa rede global de organizações
e no completo domínio da atmosfera cultural não pode ser enfrentada por meio de
resistências locais, de espertezas provincianas, de críticas pontuais a erros
econômico-administrativos ou da aposta louca nas brigas internas da facção
dominante, que só a revigoram. A desproporção de forças, aí, é tão brutal, tão
avassaladora, que não vale nem mais a pena insistir no assunto.”
Isso foi em 2004 (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040212jt.htm.).
Hoje até as crianças sabem que o establishment brasileiro –
a administração pública, três quartos do Congresso, o STF, o sistema judiciário
praticamente inteiro, a justiça eleitoral, a educação desde o primário até a
universidade, a CNBB, parte considerável da “grande mídia” e um punhado de
mega-empresas – se reduziu a uma máquina dócil e bem azeitada para amparar as
tramas do PT, assessorar e acobertar os seus crimes, ajudá-lo na realização dos
planos do Foro de São Paulo e na instauração da Pátria Grande comunista dos
sonhos dos irmãos Castro e de Nicolás Maduro.
Chegamos finalmente a uma situação em que mesmo dois
milhões de brasileiros clamando nas ruas, multidões xingando Lula e Dilma por
toda parte e noventa por cento da população exigindo nas pesquisas de opinião o
fim do império petista são impotentes para remover de seus postos os
delinqüentes que se apossaram do país e dele fizeram um bordel de luxo para os
poucos, um favelão para os demais.
Na melhor das hipóteses, ela mesma remota e dificultosa,
conseguirão obter do Congresso, como prêmio de consolação pela legitimação de
eleições notoriamente fraudulentas, um miserável impeachment presidencial,
medida simbólica que bem pode deixar intacto o restante do sistema
comunocleptocrático instalado em Brasília.
Quer isso dizer que minhas previsões de 2004 fossem
proféticas? Que nada. Estavam é atrasadíssimas. Em 1993, no livro A Nova Era e
a Revolução Cultural, eu já havia exposto o plano praticamente inteiro do PT
para a dominação do país. O livro não foi ignorado. Vendeu uma edição inteira
no dia do lançamento, outra nas semanas seguintes. A terceira esgotou-se, a
quarta (Vide Editorial, 2014) já está no fim. Foi lido e guardado na estante,
bem longe da possibilidade de inspirar qualquer ação, mesmo tímida.
Em 1989, em conferência na Casa do Estudante no Brasil, sob
o título “O fim do ciclo nacionalista”, eu já equacionava o drama de um país
cuja cultura se formara sob o signo do nacionalismo e da busca da identidade (o
“senso da nacionalidade” de que falava Machado de Assis) e ao qual coubera o
destino infeliz de começar a projetar-se no cenário do mundo justamente numa
época em que a tendência geral é dissolver as soberanias nacionais e
absorvê-las em conglomerados regionais que vão tentando aplanar o caminho para
a ambição utópica mas persistente de um governo mundial.
Ao ver hoje a marcha triunfante da Pátria Grande, que o
povo odeia mas da qual não sabe como se livrar, pergunto-me por que, de tantos
intelectuais, políticos e militares que me ouviram na ocasião (pois repeti a
conferência em vários lugares), nenhum entendeu que, naquele momento, a
inventividade, a audácia criadora, em vez da acomodação preguiçosa no culto
beócio da “estabilidade das nossas instituições”, eram uma questão de sobrevivência,
não de livre escolha?
Por que tantas pessoas aparentemente inteligentes, em vez
de vasculhar os livros e documentos a que eu me referia, preferiram crer na
lenga-lenga anestésica da TV Globo e da Folha, para cujos porta-vozes eu era
apenas um alarmista histérico, um “saudosista da Guerra Fria”, ou, como disse
textualmente o sr. Octávio Frias Filho, um açoitador de cavalos mortos?
Quem, hoje, exceto o alucinado Marco Antonio Villa, que ama
tanto a chacota que a atrai toda para si, seria ainda louco de negar que
praticamente tudo o que expliquei e previ ao longo dos anos era no mínimo o que
havia de mais próximo à verdade, enquanto em volta os luminares, os
bem-pensantes, os senhores doutores, os consultores pagos a peso de ouro, só
repetiam chavões soporíferos tipo “Lula mudou”, “o socialismo morreu”, “as
nossas instituições são sólidas” etc. etc.?
Aos poucos, porém, fui notando que as mudanças históricas
que eu descrevia -- e que as inteligências mais vigorosas da platéia não
negavam, mas nas quais nada viam além de uma caminhada brilhante em direção a
“mais democracia” – traziam, em si mesmas, a causa da incompreensão com que
minhas palavras eram recebidas.
Comecei a documentar esse aspecto do processo em O Imbecil
Coletivo, de 1995: estrangulada pela “ocupação de espaços” gramsciana, onde o
critério do prestígio intelectual e artístico passava a ser uma carteirinha do
PT ou do PSOL, a alta cultura no Brasil agonizava.
As inteligências definhavam a olhos vistos, tornando
impossível um debate sério sobre o que quer que fosse e substituindo tudo por
uma linguagem de clichês na qual nada se podia dizer que já não tivesse sido
dito mil vezes.
A juventude, nascida já no meio da debacle, não podia ver
nela nada de anormal, por lhe faltar a escala comparativa. Acomodava-se à
degradação confortavelmente, prazerosamente, embriagada pela promessa de
deleites sensuais espetaculares sob a proteção do Estado-babá.
Mas, para quem tinha sido criado na época em que os debates
culturais e políticos eram conduzidos por leões como um Otto Maria Carpeaux, um
Álvaro Lins, um Nicolas Boer, um Julio de Mesquita Filho, um Antônio Olinto, um
Mário Ferreira dos Santos, um Vilém Flusser, ver de repente o cenário
intelectual ocupado inteiramente por micos-leões-dourados tipo Emir Sader,
Marilena Chauí, Renato Janine Ribeiro, Vladimir Safatle, Gilberto Felisberto de
Vasconcelos, Luís Fernando Veríssimo e tutti quanti era algo que prenunciava,
para esta parte do mundo, uma idade das trevas.
Analisado à luz da regra de Hugo von Hoffmanstal, de que
“Nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura”, o
Brasil do futuro que se vislumbrava nos debates públicos dos anos 90 era
exatamente o que temos hoje: um vácuo sangrento, um Nada crescente e invencível
que tudo devora.
Documentei o fenômeno em linguagem satírica, que a evolução
posterior dos acontecimentos veio a tornar inadequada à medida que o ridículo e
o grotesco, passando da esfera das idéias à dos atos e das leis, afirmaram o
poder da sua autoridade incontrastável e se consolidaram nas formas monstruosas
do deprimente, do abjeto, do indescritivelmente vergonhoso. Daquilo que não
pode ser satirizado porque, como diria Karl Kraus, já ultrapassou as fronteiras
da sátira.
Não posso repassar mentalmente esse trajeto sem que me
volte à memória o refrão de uma velha canção folclórica americana: “Oh,
when will they ever learn?”.
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