Por DEMÉTRIO MAGNOLI
Dilma Rousseff "está numa armadilha", diagnosticou FHC à
Folha (26/3). "Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o
Levy. E isso só aumenta a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém
dele." O diagnóstico está certo, mas ilumina só um terço do cenário. A
presidente é refém, igualmente, do PMDB (de fato, do trio Renan
Calheiros/Eduardo Cunha/Michel Temer) e do lulopetismo (de fato, de Lula e dos
movimentos sociais que operam ao redor dele). Numa entrevista ao
"Estadão", Eduardo Graeff explicou que o governo Dilma "chegou
ao fim". É verdade: imobilizada na armadilha triangular, sem
"credibilidade" nem "capacidade de ação pol&iacu
te;tica" (FHC), Dilma reduziu-se a "uma assombração política"
(Graeff). Já aconteceu um impeachment tácito, informal.
Levy é proprietário da credibilidade econômica. O ministro funciona
como uma delgada película que separa a economia de um catastrófico rebaixamento
pelas agências de rating. Dilma não pode demiti-lo pois, sem a promessa do
ajuste fiscal que ele personifica, o país seria tragado no vórtice da fuga de
capitais. Mas, como registrou FHC, "a racionalidade econômica pura esmaga
tudo" --ainda mais, acrescente-se, quando essa "racionalidade" está
contaminada pelo dogma ideológico do equilíbrio fiscal a qualquer custo. O
ajuste sem reformas estruturais de Levy, complemento simétrico da farra fiscal
de Mantega, não serve ao país, mas conserva no Planalto a
"assombração" de uma president e sem poder.
O trio peemedebista é proprietário da maioria no Congresso, que
hoje se forma pela oscilação do PMDB entre o governo e a oposição. Dilma não
pode confrontá-los, pois eles empunham o sabre do impeachment formal e o fazem
girar, sadicamente, em torno do pescoço da presidente. O jogo da chantagem, uma
norma do nosso doentio "presidencialismo de coalizão", atinge níveis
agônicos. Os chefões do PMDB utilizam esse poder extraordinário em nome dos
seus próprios interesses, desenhando a reforma política que lhes convêm e
articulando com o governo os acordos de leniência destinados a resgatar as
empreiteiras do "petrolão".
Lula, com seu cortejo de movimentos sociais (CUT, a UNE, o MST), é
proprietário da sustentação partidária de Dilma. O candidato declarado às
eleições de 2018 pode cortar, num momento conveniente, o tubo do regulador que
ainda fornece ar comprimido ao fantasma do Planalto. Os andrajos da autonomia
da presidente, que atendem pelos nomes de Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e
Pepe Vargas, já foram descartados no cesto de roupa suja. Nas ruas, dia 7,
repetindo o dia 13, o "exército" de Lula, força mercenária em
declínio, não oferecerá um contraponto impossível às manifestações anti-Dilma,
mas cobrará novos gestos de submissão da "companheira". Eles exigem
iniciativas simbólicas (e verbas publicitárias sonantes), destinadas a
compensar a militância pela dores do apoio ao ajuste fiscal.
No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo --mas tem o
poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade emanada do
voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o poder de
contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou o
conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal. No
seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da estabilidade
macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da mentira, Dilma
perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da denúncia,
processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso.
Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o Planalto
está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso, que agem
em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não pode
perdurar por quatro anos.
Veja como publicado: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2015/03/1609510-o-impeachment-silencioso.shtml
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